Uma carta para você
*artigo publicado no Jornal de Jundiaí em 22.09.10 e no site do Instituto Faça Parte (http://www.facaparte.org.br/)
José Renato Polli
No último domingo você completaria 89 anos. Li, reli e estudei sua vida e obra como pude. O que mais me atrai são as bases de sua visão sobre o mundo, sua experiência como criança, como cristão, seus amores, seu sentido de humanidade, sua ética universal do ser humano. Você ainda passa sem ser percebido, apesar de ser um mito mundial. Nem todos conseguem lecionar em Harvard, escrever 40 livros traduzidos para dezenas de línguas, criar uma teoria educacional de fama internacional, ser considerado o pai da Pedagogia Crítica, um dos pais da Teologia da Libertação.
Já se vão 30 anos de convivência com o seu pensamento. Juro que aqui na Terra ainda existem muitas pessoas que se esforçam para que você seja lido, entendido, absorvido, não só como teórico da educação, mas como pessoa humana de alta qualificação moral. Pena que nem todos ouvem com os ouvidos atentos. Mesmo escutando parecem não escutar. As ideologias sobre a função da escola predominantes ainda são mais atraentes, parecem estar ligadas às noções de amor que se sustentam mais na satisfação dos adultos que nas reais necessidades das crianças.
Nunca me esqueço da história que sua mulher me contou. Um dia você ficou horas no telefone com alguém. Quando perguntado sobre quem era, disse que não sabia, era engano, mas gostou tanto da conversa, que a continuou com a pessoa do outro lado da linha. Típico de sua personalidade, alguém que se importa com os outros, mesmo aqueles que não conhece. Está faltando tanta humildade, meu amigo, desconfio que nossas angústias por convencer os outros de que educar é, sobretudo, deixar viver, nada tem que ver conosco.
Sim, parece que o problema não é nosso, mesmo sendo. Você deve imaginar como é duro ensinar que educar é construir, que construir implica partilha, que o professor sempre tem algo a dizer e que os alunos sempre têm algo para melhorar, reconstruir. A maioria das pessoas ainda acha que educar é apenas transferir e abortam convivências saudáveis que a construção proporciona, incluindo aí as emoções, o sofrimento, a alegria, a solidariedade, o estar junto por vontade, por compromisso.
São os problemas que enfrentamos depois que você partiu, lutar contra um sistema de ensino que ainda está fundado na ideia da eficiência, não da construção humana. Mas não fique chateado com as notícias, porque continuamos firmes em nossa luta, honrando o seu nome como podemos. Sei quem um dia as coisas ficarão melhores, tenho certeza. Bom, meu caro Paulo Freire, vou me despedindo de você e no ano que vem eu te mando mais notícias sobre a situação. Um abraço, de seu discípulo fiel.
*José Renato Polli é Doutor em Educação (FEUSP). Professor universitário e Diretor do Colégio Paulo Freire.
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